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Artigos Médicos
Abordagem do fumante no consultório
Publicada em 27/05/2021 às 07h
A dependência tabágica está ancorada em três pilastras:
- Genética: a velocidade do metabolismo da nicotina no fígado está vinculado ao Gen CYP2A6. Os fumantes com esse GEN homozigótico tendem a consumir um maior número de cigarros do que os heterozigóticos, cujo metabolismo da nicotina ocorre num processo mais lento;
- Dependência física: relacionada à ação dopamínica da nicotina, que caminha de mãos dadas com a cocaína no grupo das substâncias psicotrópicas que estimulam a atividade do Sistema Nervoso Central;
- Dependência psicossocial: vinculada aos mecanismos de adaptação às situações de frustração, solidão, pressões sociais e ligada também às rupturas da harmonia emocional produzida pelas turbulências e estresses do dia a dia.
Fácil deduzir que o tratamento do tabagismo não pode se restringir a uma mera prescrição de medicamentos para inibir a vontade de fumar.
Considerando os impactos da fumaça do cigarro na saúde dos tabagistas, há de se convir que todos eles têm consciência de que precisam largar o cigarro. O problema está no próprio fumante, que enxerga o mundo a partir de sua própria visão. Ele se mantém restrito às suas limitações, aos seus medos de enfrentar uma nova rotina, sem a sua “bengala”. Uma “bengala” que sustenta sua dependência nicotínica e tenta manter estabilizadas suas oscilações emocionais.
Parar de fumar exige fundamentalmente uma tomada de decisão. Mas, mudar sua rotina comportamental, a incerteza de como conviver sem aquele suporte, gera naturalmente uma imensa insegurança, essencialmente nos fumantes mais dependentes.
Uma vez no consultório, na abordagem da primeira consulta, é indispensável conhecer o perfil do fumante. O Teste de Fagerstrom vai indicar o grau de dependência à nicotina e o Estágio de Motivação assume absoluta importância, no sentido de estabelecer a disposição do tabagista para enfrentar aquela grande batalha.
Prochaska e DiClemente desenvolveram um modelo que define os níveis de disposição do tabagista em se libertar das garras da nicotina:
- Pré-contemplação: não está interessado em parar;
- Contemplação: está planejando largar o cigarro;
- Ação: corresponde ao tabagista que tomou a decisão de parar, mas, por não dispor da velha e conhecida “força de vontade”, procura o especialista necessitando de uma ajuda.
O pré-contemplativo quase sempre chega ao consultório “arrastado” pela filha(o) ou esposa(o). Pura ingenuidade acreditar que os produtos que desestimulam a vontade de fumar possam produzir um “milagre” naquele fumante. A recomendação é tentar, numa conversa amena, sem pressão e sem censuras, repassar a ideia de que ele necessita repensar, não só sobre sua saúde, mas também sua qualidade de vida, suas relações sociais (para a sociedade, o fumante é “persona non grata”), e essencialmente, o carinho da família, que torce muito por ele, pelo seu bem-estar e pela sua vida.
Já o contemplativo necessita ser devidamente “preparado”, no sentido de se transferir para o estágio mais avançado. A regra fundamental para iniciar o tratamento é a consciência de que o tabagista deva estar plenamente comprometido no objetivo de seguir as recomendações estabelecidas. E uma das recomendações mais importantes é identificar e retirar os “gatilhos” durante o intervalo da primeira para a segunda consulta - entendendo o gatilho como aquele cigarro aceso sem a devida exigência do organismo dependente.
Explico: todo fumante adquire ao longo do tempo o hábito de acrescentar à sua rotina tabágica cigarros relacionados com atitudes de seu dia a dia. A entrada no carro, a chegada no computador, o cafezinho recorrente, o antes de dormir... E isso acontece com o organismo ainda repleto de nicotina. Não existe a vontade de fumar, apenas um condicionamento despertado por aquela rotina. Portanto, retirar esses gatilhos não exige muitos sacrifícios. Em contrapartida, demonstra seu envolvimento/participação no processo, eleva sua autoestima e fortalece, na prática, a certeza de que aquele tabagista está definitivamente preparado para iniciar o tratamento - de quebra, a redução da nicotina circulante, que vai naturalmente facilitar a terapêutica medicamentosa.
Deve-se, no entanto, ter a consciência de que o sucesso do tratamento com os produtos antitabaco passa essencialmente por uma abordagem cognitivo-comportamental competente, que pode ser no consultório ou com grupos de fumantes (muito utilizado no serviço público), cujo objetivo é trabalhar a dependência psicossocial, obstáculo às vezes difícil de transpor sem uma devida interferência, sobretudo na presença de instabilidades emocionais.
Fica a ideia de que o Dia Nacional de Combate Ao Fumo (29 de agosto) pode ser uma bela data de se pensar em largar o cigarro. É dia do pré-contemplativo, do contemplativo e do que está decidido a largar o cigarro agendarem uma visita ao especialista.
Sebastião de Oliveira Costa
CRM-PB: 1630
Especialidade: Pneumologia e Alergologia. Dr. Sebastião é presidente do Comitê de Tabagismo da Associação Médica da Paraíba e membro da Comissão de Tabagismo da Associação Médica Brasileira