Artigos Médicos

Combinando prazer e saúde

Publicada em 14/11/2014 às 17h

O exercício atento da medicina permite-nos a observação do comportamento das pessoas, ora por relatos espontâneos, ora pela história clínica, procurando hábitos reconhecidamente deletérios para a saúde, raramente questionando sobre os prazeres que a melhoram. A vida nos moldes atuais tem trazido uma espécie de esmagamento do indivíduo: falta de tempo, excesso de trabalho, ansiedade, tensões familiares e, para muitos, pouco ou nenhum dinheiro. É certo que esta última condição pode significar inviabilidade para muita coisa; entretanto, a abastança continua não sendo garantia de felicidade, exceto para os que veem no consumo seu único caminho, pois objetos de desejo podem exigir um custo (afetivo, de tempo, esforço ou dinheiro) tão elevado que adoecemos pela dureza da conquista, por vezes sem usufruí-la.

Em que pesem as dificuldades dessa insana vida moderna, pequenos prazeres que poderiam ter mais significância são literalmente relegados ao último dos planos. Aqui não listo nenhum, pois seriam apenas os meus e não sou capaz de dar receita de vida para ninguém; cada pessoa sabe os seus. Claro que se pensarmos que "tudo que eu gosto é ilegal, é imoral e engorda", nos sentiremos injustiçados por não nos atirarmos hedonicamente aos nossos desejos.

Referindo-me à comida, ter o olho maior que a barriga, como se diz das crianças, pode resultar em obesidade e várias doenças correlatas como diabetes e hipertensão, significando, às vezes, como falam os entendidos em afetos, uma compensação por outros desejos não realizados. O consumo de álcool desmedido termina, cedo ou tarde, atingindo nosso fígado e/ou pâncreas; a intolerância e a agressividade ajudam a estragar nossas coronárias e afastam até quem amamos do nosso convívio; não acatar a tristeza como parte do humano e correr para os antidepressivos à primeira frustração (aqui não falo da depressão real) nos tira a chance de enfrentar a realidade como ela é e não como a queremos: em algum momento, dentre outras coisas, tudo isso volta-se contra nós.

Isso não quer dizer que adoecemos porque queremos, pois não controlamos tudo; todavia, refletir sobre nossas atitudes adoecedoras e resgatar nossos pequenos prazeres podem ser as chaves que nos abram a porta para bons momentos, o que, sem dúvida, nos aproxima um pouco mais da saúde sem muito sofrimento.

 

Maria de Fátima Duques

Maria de Fátima Duques

CRM-PB: 2638

Especialidade: Gastroenterologista

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