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Artigos Médicos
As lacunas na formação médica (II)
Publicada em 01/03/2013 às 17h
Como abordado na coluna anterior, a realidade atual do exercício da medicina passa por uma formação considerada insuficiente devido, em geral, à má qualidade do ensino, apesar do grande número de escolas médicas. Parece, entretanto, haver uma importante lacuna nessa formação que não depende somente do ensino formal: o pouco interesse atual pela cultura geral ou, dito de outra forma, a falta de gosto pela arte, literatura, poesia e outras manifestações da nossa humanidade, restringindo-se à cultura médica. Escorchados pela baixa remuneração, o que enseja múltiplas atividades, médicos lidam constantemente com a dor e com situações-limite, os dilemas de vida e morte; trabalham sob pressão, sem tempo, sem fruição.
Moacyr Scliar, médico-escritor de vasta obra literária, nos ensina que a leitura e a apreciação da arte proporcionam uma percepção bem mais sensível da vida e do labirinto humano que somos, assim compreendendo melhor as manifestações das emoções, por vezes travestidas em doenças. A literatura parece ser a melhor escola para ampliar a visão, pois permite um mergulho ilimitado na alma humana, revelando os caminhos da compreensão de nós mesmos e do outro. O médico é um observador privilegiado do ser humano: depara-se com o outro destituído das máscaras sociais, confinado à solidão da doença mesmo quando cercado pelos que o amam.
O olhar atento e a reflexão sobre contos, crônicas, poemas, romances e toda a gama de textos aos quais hoje em dia temos acesso podem nos salvar do excesso de superficialidade com que se tem abordado as questões humanas em geral. Tudo é muito rápido, restrito, resumido; parece que caímos na armadilha que o filósofo Voltaire já registrava no século XVIII: \"Com tantos livros novos circulando por aí, estamos nos tornando cada vez mais ignorantes\".
A internet nos dá informação e nos conecta às redes sociais; sem nossa cabeça pensante e nosso coração sensível, entretanto, mesmo com tudo isso podemos continuar ignorantes e solitários. Se procurarmos, a despeito da nossa falta de tempo, ter mais intimidade com as artes em geral, e em especial com a música e a literatura, certamente aprenderemos muitas coisas. Isso nos permitirá ser melhores pessoas e, assim, melhores médicos. Quem sabe até nos ensine a ser mais combativos e a lutar por uma melhor formação médica, além de buscar melhores condições de trabalho, o que trará sem dúvida benefícios aos profissionais e à população.
Maria de Fátima Duques
CRM-PB: 2638
Especialidade: Gastroenterologista