Artigos Médicos
Relações entre microbiota intestinal, câncer e estresse
A Microbiota pode ser definida como a comunidade de micro-organismos que habitam nosso corpo, sendo composta principalmente por bactérias, mas também por outros elementos como fungos e vírus. Esse termo, microbiota, se refere aos trilhões desses micro-organismos encontrados nos diversos compartimentos do nosso corpo: pele, boca, trato gastrointestinal, pulmões, vagina, nariz, globo ocular, trato urinário etc. Da mesma forma, também estão presentes na água que bebemos, no ar que respiramos e nos alimentos que ingerimos. Sabe-se que cada órgão ou setor orgânico possui uma microbiota que lhe é peculiar e, tipicamente, o corpo humano possui cerca de 10 vezes mais células bacterianas do que células humanas. No entanto, a convivência é de harmonia, ou seja, sem doenças, daí ser denominada de microbiota normal.
Na composição da microbiota intestinal, existem inúmeros fatores que têm papel importante como idade, etnia, alimentação, medicamentos, genética, estresse físico ou psicológico, entre outros. Quando existe relação saudável entre os micro-organismos da microbiota, temos normobiose; quando essa relação é alterada teremos disbiose.
Pesquisas nessa área estão se tornando cada vez mais frequentes, particularmente aquelas relacionadas ao chamado eixo intestino-cérebro e sua comunicação bidirecional. É fato já bem estudado que a microbiota secreta várias substâncias, dentre as quais neurotransmissores, como a serotonina, que faz parte de inúmeras moléculas envolvidas no comportamento humano. Assim é que, desde alguns anos, estuda-se a microbiota intestinal e sua associação com o estresse.
Em pesquisas com animais de laboratórios, utilizando transplante de microbiota fecal, obteve-se fenótipos comportamentais que vão desde comportamentos ansiosos até estados depressivos. Dessa forma, pode-se sinalizar que exposição a fatores estressantes, junto com traumas ambientais, têm a possibilidade de se associar com o aumento da incidência de vários transtornos e perturbações gastrointestinais. Componentes da microbiota podem até se transformar em biomarcadores preditivos de resposta a tratamentos imunoterápicos no câncer. Por seu turno, o estresse crônico tende a diminuir a eficácia de tratamentos e taxas de sobrevida em portadores de câncer colorretal.
No Congresso Europeu de Gastroenterologia - 2024, ocorrido recentemente na Áustria, pesquisadores chineses mostraram estudos experimentais realizadas em ratos onde investigaram as complexas relações entre microbiota intestinal, estresse e câncer de cólon. Essa é uma nova linha de pesquisa médica denominada onco-microbiota. O ponto fundamental da pesquisa foi o de estudar se o estresse crônico acelera o câncer colorretal pela alteração dos constituintes da microbiota intestinal. Para tanto, os animais de laboratório foram “desprovidos” da sua flora intestinal através do uso de uma mistura de antibióticos como vancomicina, ampicilina, neomicina e metronidazol. Com o emprego de transplantes da microbiota entre grupos de ratos observaram que, pela indução de estresse crônico, houve redução de bactérias intestinais, particularmente do grupo Lactobacillus, especificamente do Lactobacillus plantarum, e observou-se aumento do crescimento tumoral.
Com a posterior suplementação do Lactobacillus plantarum, houve melhora das defesas naturais. Por outro lado, ainda não temos o real conceito do que seja uma microbiota saudável, pois a variabilidade entre as pessoas é grande e muitos fatores internos e externos contribuem para modificá-la, muitas vezes de forma rápida.
De qualquer forma, os próximos passos deverão ser o início de ensaios clínicos para se aquilatar as possibilidades de novas terapias baseadas na microbiota, reforçando ainda as defesas naturais do organismo. Este é um campo de estudos que abrange, ainda, pesquisas de novas terapias para doenças crônicas como diabetes, obesidade, síndrome do intestino irritável, Parkinson, depressão, e outras. Nos próximos anos, deveremos ter respostas mais concretas e decisivas do emprego de terapia por microbiota para inúmeras patologias que hoje, com os protocolos atuais, possuem resultados parciais e não de todo satisfatórios.
João Modesto Filho
CRM-PB: 973 / RQE 1026
Especialidade: Endocrinologista